quinta-feira, 7 de maio de 2009

Tempo Instável

Pessoas, hoje o post será um pouco diferente do que tem sido. Um amigo meu me mandou um texto dele hoje e como gostei bastante resolvi transcrevê-lo aqui. É uma crônica sobre uma mente atormentada. Não fica claro se ele está assim por causa do tempo, das nuvens e tempestades, ou se é sempre assim. Se num momento parece ser rico, em outro dorme numa cama desconfortável junto a uma parede fina. Ora diz que desde os 20 pensa dessa forma, ora ama a vida e sempre amará. Quer dar fim à sua, mas acredita que amanhã estará melhor. Um texto com bons paradoxos e algumas imagens interessantes. Espero que curtam.

Tempo Instável

Sobre o lago paira um ar morno, cinza e amedrontado, parece que vai chover. Vou até a praia que fica perto de minha hospedaria. Há uma espécie de chuva que é alegre, que refresca, a de hoje não é assim. O tempo todo a umidade desse ar parado sobe e desce, formando pesadas nuvens que caem. Dúvida e mau humor pairam no céu.

E eu, que havia imaginado essa noite tão mais bela: jantar e pernoitar na taberna dos pescadores, um passeio na praia, um banho no lago ou até talvez nadar à luz do luar. Em lugar disso um céu escuro, desconfiado, jorra nervoso suas trombas-d’água caprichosas, e eu, não menos nervoso, vou me esgueirando pela paisagem descomposta. Talvez ontem à noite eu tenha bebido vinho demais ou tido algum pesadelo. Só Deus sabe o que há, só sei que meu humor foi para o inferno, que o ar está morno e pesado, meus pensamentos obscuros e o mundo opaco.

Hoje à noite pedirei para fritarem uns peixes e os comerei, bebendo bastante vinho tinto da região, assim faremos o mundo brilhar novamente e achararemos a vida mais suportável. Para não mais ver e ouvir essa chuva morna, acenderemos a o fogo na lareira da taberna, fumarei um longo charuto Brissago e olharei meu copo de vinho contra as chamas fazendo-o brilhar como sangue, certamente faremos isso e então a noite há de passar, conseguirei dormir e amanhã será tudo diferente.

Os pingos da chuva caem sobre a água da praia, um vento frio e úmido agita as árvores molhadas que reluzem como peixes mortos. O diabo entornara o caldo, nada mais está certo e afinado, nada mais alegra e aquece, tudo parece vazio e triste, estragado, os tons desafinados e as cores falsas.

Bem sei por que tudo está assim. Não é por causa do vinho que eu bebi ontem, nem da cama incômoda em que dormi, nem por causa do tempo chuvoso. Foram os diabos que passaram por aqui e desafinaram corda por corda em meu ser. O medo esteve novamente presente, esse medo dos sonhos de criança, de contos de fada e de desventuras de garoto de escola. Esse medo de estar cercado pelo imutável, essa melancolia, esse nojo. Como é insípido esse mundo! E como é horrível amanhã ter que levantar novamente, comer e viver! Afinal, para que se vive? Por que somos tão idiotamente bondosos? Por que não jazemos a muito no lago? Contra isso não há remédio algum. É impossível ser artista e vagabundo, e ao mesmo tempo um burguês honesto e são. Você quer a embriaguez, então suporte a ressaca! Você procura o brilho do sol e abençoadas fantasias, terá que aceitar a sujeira e o nojo! Isso tudo está dentro de você: ouro e sujeira, vontade e dor, riso de criança e medo da morte. Diga SIM a tudo, não fuja de nada, não se iluda com mentiras. Você não é nenhum grego, nenhum burguês equilibrado e dono de si, você é um pássaro na tempestade. Deixe que caia a tempestade, deixe-se levar! Quanto você já não mentiu, milhares de vezes representou esclarecido em seus livros e equilibrado, o feliz e esclarecido em seus livros e poesias! Era assim que lutavam os heróis no ataque enquanto os experientes tremiam! Meu Deus, que pobre macaco é o homem, que parceiro, principalmente o artista, o poeta e principalmente eu!

Farei com que fritem para mim uns peixes e o Nostrano beberei num copo grosso, meu longo charuto sorverei cuspindo no fogo da lareira, e pensarei em minha mãe tentando espremer do meu medo e da minha tristeza alguma gota adocicada. Depois numa cama desconfortável, deitado junto a uma parede fina, ouvirei o vento e a chuva, lutarei contra as batidas de meu coração desejando a morte, mas temendo-a e chamando a Deus, até que tudo passe, até que a dúvida se canse, até que algo como consolo e sono acenem em mim. Era assim quando eu tinha vinte anos, e assim é até hoje e assim será até que chegue o fim. Minha vida bela de vez em quando terei que pagar com esses dias, eles retornarão sempre, esses dias e essas noites, o medo, o nojo e o desespero, mas apesar de tudo continuarei vivendo e amando a vida.

Quão sórdidas e falsas são essas nuvens sobre as montanhas! Como é falso e metálico o reflexo da luz sobre o lago! Como é idiota e sem sentido tudo o que me vem à mente!

Lery


Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto é de HERMANN HESSE, escritor alemão.